Encontrar-se. (Tecido da Vida).

A criança corre feliz por dentro de mim... Todo dia é dia de brincar! Ah... como é feliz a gente se encontrar! Eu fui lá buscá-la, no sóton das memórias tristes, dei-lhe a mão, saímos abraçadas, rodopiano, gira, gira, gira-gira, gira gira... O mundo dançante e a gente bem mais feliz... Lhe faço canções de ninar, ela se acolhe em mim. Há pouco tempo resgatei a doce menina, às vésperas da adolescência, brincava de adulta, pouco entendia da vida... Trouxe pra longe dos olhares tóxicos de machos pedófilos que cheiram rastro de menina-mulher. Ela me deu minha primeira poesia, tão menina, refletia sobre a vida... Já, indagando entre os mundos... seu caderno cheira a mofo, mas suas ideias continuam deveras frescas na minha alma... Foi ela que me descobriu a escrita como forma de filosofar. Pouco antes, entre a infância e um degrau de quase crescida, foi quem se descobriu artista... Rodopia coreografias com as fitas da ginástica, abracei-a forte, fez metamorfose e borboleteou saindo do casulo da inadequação... abracei forte, forte, cochichei ao pé do ouvido que seu jeito torto de dançar meio sem norte, não lhe fez atleta de perfeição, mas lhe fez doce bailarina da vida, postura de corpo de artista que na vida jamais há de esquecer... Foi ela quem me deu alma de artista, amor pela vida, som de música constante em que me imagino sempre dançante e de quando em quando me faz bailar a sós no silêncio do lar. Caminhamos até a linda adolescente, que entre engajamentos políticos em grêmio estudantil e descoberta do primeiro amor, foi quem me deu a Arte e colocou o palco diante de mim. Ainda sinto o frio na barriga detrás das cortinas das peças, entradas rápidas, lê, decora fala, mas a parte do ensaio é a mais feliz. Estar ali e somente ali... Deitei ontem na sala de ensaio, olhando pro teto, imersa no exercício, mais de quinze anos no tempo via nas luzes quem refletiam em mim... Caminhei até a jovem universitária, entre rasteirinhas e um all star vermelho sujo de estrada, cada noite uma peça rara, cada dia de biblioteca uma nova descoberta, por mundos e mundos e mundos, das pupilas dilatadas, às gargalhados, laricas, seminários, trabalhos, fez palco cada dia, mochila nas costas, bicicleta ao vento, felicidade diária. Chegamos à mulher adulta, cosendo realidade da vida bruta, tentando manter-se doce, aprendendo a ser feliz. Pariu, assustou, renasceu. e eis-me aqui. Bordando histórias, confeitando poesia. Entendendo, sentindo, vivendo que o termo "encontrar-se" tem lá muito mais teor que uma boa expressão. É feito de tempo e espaço. Silêncio e caminho. Procura, espera. Espreita, sorriso. E como é bonito encontrar todas elas assim. E como é lindo refazer o próprio caminho. Caminho. Caminhamos. Caminhemos. Vamos abraçadas, de mãos dadas, cantando, sorrindo, chorando, caindo, levantando, acolhendo, levitando, inventando, sorrindo, sorrindo, sorrindo... Estamos lado a lado. Enfim nós, enfim juntas no nosso caminho! O tecido de vida do nosso bordado hoje escreve no laço: nunca mais a sós na vida.

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