Apenas Ser Humano

    Começo pela dúvida, talvez esse seja meu ponto forte, talvez eu esteja travada desde a adolescência nos versos do Renato "não acredito em nada além do que duvido"... E a dúvida ultimamente tem sido sobre mim mesma... Seria uma crise da proximidade aos 40 anos?...
    Seria um efeito de ter me negado durante anos da minha vida a entrar na lógica de mercado e nos últimos meses estar interagindo com uma rede coorporativa... Tal qual aquela rede das selfs e dos likes da vida, ela é um mundo perfeito, todavia não de corpos, mas de carreiras... Eu sobrevivi à rede dos likes... Não precisou de muito, apenas a certeza de que tenho pavor de cirurgias e uns meses na academia pra ter certeza de que odeio a frase "no pain, no gain", e também, por favor, eu preciso de pão, chocolate e cerveja pra vida não ser deprimente! Ok, não vai rolar "Aquele" corpo, rola um mais saudável, indo na academia de 1 a 4 vezes por semana, gerando movimento, sem sair toda dolorida, ok?!... E porra, mal tenho tempo pro básico, maquiagem todo o tempo, é sério?! Make, o que é make?!!!... Não sei pra que serve metade daquelas coisas, só batom, rimel, lápis e olhe lá!!!
    Mais do que bonita, eu sempre prezei por ser uma mulher inteligente e bem sucedida, com um ótimo currículo. Durante muito tempo esse currículo pra mim era estudar e fazer bons cursos. Até que os atropelos da vida foram me  permitindo o conhecimento mas levando os diplomas... Quantos cursos não consegui finalizar, ou porque faltou dinheiro, ou porque meu filho ficou doente e a vida virou de ponta cabeça... 
    De tudo, ao menos, e considero um luxo, sobrou a saúde mental, uma árdua conquista. Conquista inclusive para, diante da última lambada da vida, dizer pra minha terapeuta: eu só quero chorar e meu direito a ficar triste, hoje eu não quero uma solução e nem reencontrar a alegria, eu quero meu direito de chorar. Um caminho entre "só por hoje" e "pequenas alegrias da vida adulta", esse é o bem mais precioso da reconquista da saúde mental, entender que tudo passa e que "posso até ficar triste se eu quiser, mas é só por hoje, ao menos isso eu aprendi"... E de repente redescobrir a gratidão do cotidiano. 
    Sem gestos mirabolantes, super likes, top voices, premium, master advanced plus... Apenas chorando, existindo, recomeçando. E compreendendo os lugares nas estruturas sociais que nos permitem mais ou menos vitórias e a ressignificar o que é vitória para a gente. 
    Mas também sem me forçar à alegria, ao sorriso, à superação, à compreensão de que a dor de hoje possa ser a vitória de amanhã. Sem frases feitas e positivismo barato. Não quero morrer de depressão mas também não quero me forçar a aprender a lição da situação antes de poder simplesmente, simplesmente, sentar e chorar. Que porra de extremismos são esses, não, feitos de postagens e (no) timelines... De ou você está para morrer ou está no auge da dopamina... Porra! Às vezes a gente só quer ser mediano mesmo... Chorar quietinho e rir de um meme daqui a pouco. Ser humano, sabe?!
    Apenas ser humano. 
    Em tempos de IA, o direito de ser humano já parece uma reivindicação. 
    

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