Heresia

Difícil não cair em tentação. Seu pecado pessoal, desejar entregar seu mundo aos cuidados de outrem. Dos pecados religiosos não sentia culpa, entregava-se à libertinagem sem desculpas, curtia especialmente a gula e a luxúria. Mas da ética protestante burguesa sentia fobia, tornar propriedade, estatal ou privada, seus sentimentos e ações. Difícil não cair em tentação. Precisava confessar seus pecados. Falava, escrevia, palavras a fio pra confessar a culpa do seu desconforto em cair em tentação. Não era em vão. Ao final, respirava aliviada, fazia a oração do amor correspondido pensando no oral correspondido. Colhia das verdades cristãs apenas o esforço de amar à próxima como a si mesma. Esforçava-se em não se sentir indivíduo acima de todas, competitiva, indiferente. Seus pecados pessoais os quais precisava confessar era cair na lógica burguesa, privatizar vidas e sentimentos, assinar contratos de sociedade vendendo sua liberdade em troca de garantias ilusórias de uma ética meritocrática irreal, forjada, aniquiladora. Valores burgueses, novelas, romances, de príncipes em cavalos e castelos, de princesa à espera. Não entregaria seu mundo a ninguém. Compartilhar-lo-ia com quem ela quisesse, e o prazer era todo seu. Dividir momentos de prazer, presentiar no sentido de tempo presente, co-existir. Difícil não cair em tentação, se pudesse, rezava todo dia uma prece de joelhos, fazendo um oralzão, pra livrar-se do pecado da romantização.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A divina dança

Espiral

Blues Mulher